quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Dourado em Três Décadas (1940, 1950 e 1960).

Continuação: Os Carneiros e a Estrela (Parte VI) por Kate Agnelli.


Em Dourado a luta dos imigrantes para se integrar à sociedade continuava em meio a perdas e alegrias. Eram tempos de guerra e quando o Brasil entrou com os aliados para combater, os Italianos da cidade e seus filhos precisavam de salvo conduto para fazer qualquer pequena viagem. O sal tornou-se raro nas mesas e abundantes nos rostos...

Numa das muitas fazendas da cidade morava a família Borragini. D. Santa Nardini Borragini moradora da Santa Maria possuía sete filhas. Era o mês de agosto de ventos fortes e cortantes varrendo tudo até as esperanças. Por causa da poeira fina levantada a cada rajada, Cidinha uma das meninas sofria tremendos ataques de bronquite. D. Santa na sua fé ingênua, desejosa de aliviar os sofrimentos da filha, resolveu fazer uma promessa para os anjos. Prometeu dar um jantar para sete crianças. Assim fez. Matou o melhor frango que criava no quintal. Fez uma bela canja. Pediu para as meninas maiores acender as velas na capelinha que havia na beira da estrada, também chamada de ermida. Alí naquele mesmo lugar havia ocorrido uma tragédia muitos anos antes. Enquanto isso as filhas menores ficaram em casa ajudando a mãe a preparar a ceia tão esperada. Rosa colocou a toalha branca, os pratos, os lindos copos azuis trazidos da longínqua Itália, agora tão preciosos para elas. Enquanto isso na capelinha as meninas acenderam as velas, fizeram suas orações e já tinham decidido voltar, quando subitamente Luzia retornou dizendo que iria beijar a cruz que havia visto em cima do pequeno altar. As outras não gostaram da idéia e ficaram do lado de fora esperando. Luzia subiu num pequeno degrau para alcançar o crucifixo. Sem prestar atenção nas chamas das velas acesas logo abaixo. O vento continuava soprando malvado. Uma chama pulou na bainha do vestido de algodão de Luzia. Foi tal a rapidez que espalhou que Luzia saiu gritando e correndo, quanto mais corria mais as chamas tomavam força. As outras apavoradas gritavam desesperadamente.

Uma mulher acudiu. Mas as chamas já tinham devorado a pele da barriga da menina, parte do seu rosto e seu lindo cabelo louro. Em casa D. Santa começou a ficar preocupada com a demora das crianças. Saiu na porta da frente e tentava encontrá-las, olhando através das plantações. Foi quando percebeu um alvoroço e sua vizinha com um embrulho no avental. Olhar estarrecido. Um arrepio sacudiu a alma e D. Santa. Era Luzia quase morta. Foi como se uma espada invisível atravessasse sua vida para sempre.

D. Santa implorou a D'us aos anjos, gritou, chorou, desesperou-se, sentia-se partida ao meio, tamanha a dor, insuportável o sofrimento. Luzia durou apenas mais um dia.

Inutilmente enrolaram-na em grandes folhas de bananeira, mas em vão. Ela ainda teve tempo de pedir ao pai o seu doce preferido. O pobre homem pegou o cavalo e foi até a cidade comprá-lo. Luzia mordeu apenas um cantinho, tombou sua cabeça levemente e foi-se para sempre...

Voou Luzia linda e loura para luz, com os anjos. Ao beijar a cruz foi crucificada... E a mesa que aguardava uma festa para sete anjos, recebeu apenas um...Luzia foi velada pela família e por muitas outras famílias Italianas e Brasileiras que vinham chorar a morte trágica da criança, como também desabafar suas perdas e dores. Dona Santa já tinha perdido o chão quando deixou a Itália, agora perdera também o céu...

Nunca mais foi a mesma. Passou o resto da vida vagando dentro de uma infindável dor, no meio de nuvens de pesadelo e de chamas infernais... De vez em quando o padre da cidade ia visitá-la. Levava uma pedra sal, coisa rara na época, por causa da guerra. Em troca davam a ele patos que criavam no fundo do quintal.



A guerra continuava com seu ímpeto destruidor pela Europa. Os Italianos do Brasil foram proibidos pelo governo de falar a língua materna, assim como os Japoneses e Alemães. Enquanto muitos morriam nas frentes de batalha, a natureza fértil do Brasil produzia outro tanto de descendentes de Europeus e Japoneses. Nos anos quarenta os filhos de Antonio Agnelli também foram se casando. Carlos casou-se com Helena Sciarreta, Natal com Jocilena Lautenti. Francisco com Luzia Luzzi, Torelli com Aparecida Luzzi. Bauru começava a se expandir como portal para o Oeste um tanto desconhecido naquele tempo. Natal recém casado rumou para lá se empregando na Estrada de Ferro Noroeste, com a esperança nas mãos de trabalhador, a história dos antepassados na mente e uma incrível alegria dançarina, que nunca o abandonou. Teve quatro filhos, todos homens, Nelson, Nilson, Nilton e Norival. Com a entrada do Brasil na guerra muitos jovens foram convocados. Germano Agnelli era um idealista quando viajou com as tropas brasileiras para a Itália, para encarar de frente a face feia da guerra. Casou-se rapidamente antes da partida com sua noiva Josefa, que sem ele saber ficara grávida antes da partida. O Brasil sempre improvisou. Os soldados Brasileiros foram mandados para a batalha sem agasalhos suficientes, para o rigoroso inverno europeu.




Germano viu muitos compatriotas morrerem em conseqüência do frio. Alguns congelados, outros feridos, enfraquecidos acabavam pegando pneumonia. Até que, os soldados americanos se compadeceram da triste situação dos nossos pracinhas desprotegidos, arrumando roupas adequadas para todos. Diziam que foram com a cara e a coragem... Creio mais na imprudência juvenil e na irresponsabilidade...

Germano sobreviveu aos Alemães, a fome, ao frio. Era encarregado do rádio, para transmitir notícias para a tropa. Viu colegas Brasileiros serem estraçalhados por granadas inimigas, sem poder fazer nada. Muitas vezes era necessário passar por cima de cadáveres, tendo de correr entre trincheiras cheias de cheiro de pólvora e sangue, de gritos desesperados na escuridão, balas chispando por todo lado. Passou fome, comia o que encontrasse na neve, até insetos...

Ninguém consegue imaginar o quanto dói o sofrimento, enquanto não o encara de frente. Isso muda completamente uma pessoa. Muitos pracinhas nunca mais foram os mesmos, depois do que viram e passaram na Itália. É muito triste vê-los nos dias de hoje em paradas militares. Alguns em cadeiras de rodas, velhinhos, mas todos com o orgulho Brasileiro estampado nos rostos marcados. Os mais jovens sequer imaginam quanta história de vida passa junto com eles, enquanto a banda toca... Há muita ingratidão no ser humano em geral. Talvez todos querem realmente esquecer um período tão sombrio da história da humanidade.




Devido à guerra, no Brasil as correspondências eram abertas pelo exército, pelo receio de espionagem. Principalmente as cartas trocadas entre famílias de origem Italianas, Alemãs e Japonesas.

Em Dourado aconteceram fatos curiosos, a família Foschini recebia seus parentes da cidade de São Paulo que vinham passar férias de fim de ano. As crianças inocentemente puseram o nome de "Mussolini" num gatinho. Quando as aulas recomeçaram, as primas começaram a trocar correspondência como sempre. Uma das meninas escreveu à prima de Dourado perguntando como estava passando o "Mussolini". Não é que a polícia toda armada compareceu à casa dos Foschini perguntando onde estava o "Mussolini"!!!

Foram buscar o tal inimigo, que placidamente dormia debaixo da laranjeira do quintal e o apresentaram aos bravos patriotas!

Em maio de 1945 o pesadelo mundial acabou. Deixou cicatrizes profundas em parte da população do planeta. Cicatrizes infinitamante maiores naqueles que estiveram frente a frente com a morte. Mas a vida continua na sua infindável tarefa de espalhar seus genes. Germano voltou da guerra como herói. Na casa de Antonio Agnelli havia uma faixa com os dizeres pintados "desta casa saiu um herói". As crianças saíram da escola para esperá-lo na antiga estação ferroviária Douradense. As pessoas com bandeirinhas do Brasil acenavam. A banda tocava. Os mais velhos nas janelas também gritavam de alegria. Conheciam de perto as batalhas da sobrevivência... Foi uma festa . Junto com Germano retornou outro pracinha douradense Antonio Rodrigues Coelho. Coelho trouxe na sua bagagem sementes de cedrinhos Italianos. Foram plantados em frente ao Grupo Escolar, onde existe também um marco com o nome dos dois expedicionários.




Grupo Escolar Senador Carlos José Botelho.







Homenagem aos Expedicionários da Pátria.




Infelizmente outro jovem de apenas vinte e um anos marcou com seu sangue douradense as terras da Itália; José da Silva Nascimento. Enquanto as pessoas felicitavam os dois soldados sobreviventes, a mãe de José recebia apenas uma medalha em troca da vida preciosa de seu filho. Foi muito triste para as pessoas vê-la ali parada ao lado dos trilhos do trem, segurando aquele pedaço de frio metal, enquanto lágrimas escorriam pelo seu rosto quieto... Na casa dos Agnelli o dia era de comemoração. Antonio Agnelli deu um churrasco pra a população. Foi no campo de futebol da cidade, a alegria prolongou-se até altas horas da noite.








Germano pode enfim conhecer seu filho, que tinha seu nome. Durante a guerra as três irmãs de Germano, Justina, Maria e Zilda se casaram. Justina com Arnaldo Varela, Zilda com Miguel Angelo Colagrossi e Maria com Romeu Tavano. Três irmãs, três destinos. O marido de Justina era barbeiro, descendente de Italianos e Portugueses tiveram dois filhos Heleni e Edson. Arnaldo morreu estupidamente numa tarde do dia primeiro de maio. Jogava "malha" com os amigos quando teve um ataque cardíaco fulminante. Justina enviuvou aos quarenta e um anos e teve de acabar de criar os filhos a duras penas.

Zilda casou-se com Miguel Colagrossi comerciante. Muito ciumento da grande beleza e alegria dela. Zilda era inteligente, audaciosa. Dirigia seu próprio carro e tinha seu negócio, enquanto a maioria das mulheres não havia saído do fogão. Era emancipada emocionalmente e materialmente. Coisa imperdoável ao rançoso e rancoroso machismo. Morreu tragicamente. Uma linda borboleta vermelha, cheia de vida e alegria, presa para sempre numa parede, com o alfinete intolerante de um casamento errado.... Deixou duas filhas Mary Beatriz e Marly Tereza.

Maria casada com Romeu Tavano também comerciante teve quatro filhos Antonio Rafael, Romeu Cesar e as gêmeas Neide e Nancy. Maria viveu sempre para a família, muito justa e caridosa com as pessoas. Inteligente, gostava de política. Enviuvou quando ela e o marido já podiam aproveitar um pouco a vida juntos, viajando. Romeu faleceu repentinamente de ataque cardíaco, quase em frente ao hospital de Dourado. Entrou em depressão, nunca mais foi a mesma.

Newton um dos irmãos mais novos casou-se com uma bonita moça de Borborema, cheia de sonhos e ilusões juvenis, que se recusava a deixar, acabaram se separando. Tiveram três filhos; Helvio, Nilton e Almir. Ambos nunca mais se casaram. Na década de cinqüenta, quase ninguém mais se lembrava da guerra. Era passado. Todos queriam alegria em suas vidas.

Em janeiro de 1950 foi inaugurado o Dourado Clube e os bailes tornaram-se um acontecimento especial para os jovens. O bolero era dançado de rosto coladinho, grande furor na época.





Dourado pode enfim ter o seu primeiro prefeito eleito depois das revoluções 30/32. Foi José Buzza. Por esta época também foi construído o primeiro hospital, nos terrenos doados pela mãe do senhor Elias Maluf dono do Cotonifício Santo Ignácio. O apelido de Elias Maluf era "Babi". Quando menino ele era muito grande e forte e apareceu por lá um circo com o elefante de nome "Babi". Não deu outra, a molecada da época logo fez a analogia.

Em 1956 casou-se a última filha de Antonio Agnelli. Terezinha, depois de rodopiar pelos salões de baile livremente como passarinho, finalmente resolvera pousar. Aos vinte e cinco anos era linda, loura e delicada, arrebatava corações apaixonados. Foi criada com as rédeas soltas como diziam. Andava a cavalo de calças compridas, um escândalo na época. Chegou a ser eleita rainha do "Dourado Clube".

Como foi a última a se casar os Agnelli deram uma festa que durou dois dias. O mais engraçado do casamento foi a entrega dos presentes. As pessoas tinham que entregar para a sogra dela. Coitada não teve o gosto de abrir um pacote! Já foi imaginando a vida que a aguardava. Terezinha era um colibri colorido que acabou preso numa gaiola de sonhos chamada São Paulo. Teve três filhos Luiz Antonio, Maria Tereza e Maria Helena (Lenita). Vinha raramente para Dourado, sempre estava adoentada., fez várias cirurgias. Os ares paulistanos nunca fizeram bem para seu espírito livre.

Em 1957 Osório e Júlia perderam um filho Valdemir com quase cinco anos. Faleceu em conseqüência de uma cirurgia feita na cidade de São Carlos. O dinheiro andava muito curto para aqueles que teimavam em plantar. O algodão havia derrubado muitos agricultores. E os Bancos não queriam saber das variações da natureza. O agricultor sempre estava desprotegido perante as intempéries. Com a perda do filho, eles ficaram praticamente zerados.

Em 1958, Júlia teve outro menino, Wagner José exatamente um ano após a perda de Valdemir. Talvez D'us na sua misericórdia infinita, deu-lhe o único meio dela voltar à razão, pois nada a fazia voltar a realidade. Havia ficado paralisada pela depressão. Mesmo assim nunca mais foi a mesma pessoa. Para piorar quando Wagner completou três anos teve paralisia infantil, quase morreu. Sem saída Osório vendeu o último pedaço de terra que restara de herança de sua mãe.

Era chamada "Limoeiro", ficava perto do Saltinho da Marisa e do Caldas. Agora o "Limoeiro" pertencia ao Lucas Martins dono de um dos postos de gasolina da cidade. Sua irmã Maria Pereira eterna salvadora dos irmãos, vendeu trinta e quatro cabeças de gado e deu para Osório na tentativa de ajudá-lo. Situação difícil. Ele acabou se empregando numa fazenda de Dourado, pois só sabia lidar com bois e com a terra. Na fazenda Santo Antonio, nunca ninguém soube realmente quem era aquela gente, poucos enxergam além dos olhos... Em Dourado chegava um jovem médico cirurgião muito querido de todos. Laércio Antonio Benetti, nascido na cidade de Duartina. Tinha grande capacidade profissional, muito humano.

Cidade cheia de peculiaridades, Dourado recebeu a visita inesperada do futuro presidente da República, o senhor Jânio Quadros, que acabou almoçando na casa do Orlando Tavano e tirando um cochilo no sofá da sala. Homem de hábitos simples, logo enturmou com os douradenses. Em 1959 foi inaugurado o Ginásio Estadual "Dr. Salles Jr." Motivo de alívio para muitos pais que eram obrigados a mandar os filhos para outras cidades para estudar.

Na cidade funcionavam duas padarias a "de cima" e a "de baixo". A de cima pertencia a família Vanucchi, mais conhecida como a padaria do "Fofo". A de baixo era da família Pinheiro, ficava em frente a praça da igreja. A loja do Busto vendia os tecidos da moda. A família Leal vinda de Boa Esperança dos Sul, fundava a fabrica de vassouras. A cidade começava a se dar ares de progresso. Foi contratada uma companhia para fazer o asfalto, a Via Técnica. Muita gente da cidade arrumou emprego.

Quando o asfalto foi totalmente terminado, algumas pessoas da empresa ficaram na cidade, como o Mario Marques e a D. Cida esposa do Nardinho do posto. Outros como Valdecir Pereira e Dalva Borragini recém casados foram embora com ela. O país necessitava de estradas para as muitas rodas rodas que vinham da Europa e Estados Unidos. Fuscas invadiram as cidades como bandos de besouros famintos de progresso... O mais triste de tudo foi o fim da ferrovia. Em 1964 o toque de recolher foi geral. O francês foi abolido da escola. Diminuíram as matérias, mas não aumentaram a sabedoria...

O mundo se via dividido em duas grandes potências e suas enormes ideologias, no meio a juventude morria e o luto era premiado com medalhas... Com a filosofia de "paz e amor" muitos jovens deram as costas ao sistema, recusavam serviço militar, iam presos. Sem gente para guerrear por suas ideologias, os governos precisaram rever seus valores para sua própria sobrevivência...

Na América Latina com seu espírito naturalmente insubordinado apareciam guerrilhas e o famoso "Che Guevara" , repetindo a história... Ninguém pode salvar aqueles que não querem ser salvos...





No Brasil o presidente eleito pelo povo, Jânio Quadros renunciou sem explicar nada ao eleitorado. Ele que tencionava varrer a sujeira com sua famosa vassourinha ( símbolo de sua campanha), foi varrido. Um governo prematuro, inseguro, durou apenas sete meses, de 31 de janeiro de 1961 a 25 de agosto do mesmo ano. O vice João Goulart foi deposto. Foi viver nas suas fazendas de gado. Mais fácil de cuidar e ainda dava lucro. Na época a música "Disparada" cantada por Jair Rodrigues fazia muito sucesso...





Ver também:


Os Carneiros e a Estrela (Parte I).

http://douradocidadeonline.blogspot.com/2010/08/num-passado-distante-em-dourado.html


Os Carneiros e a Estrela (Parte II).

http://douradocidadeonline.blogspot.com/2010/08/dourado-e-imigracao-italiana.html


Os Carneiros e a Estrela (Parte III).

http://douradocidadeonline.blogspot.com/2010/08/ascendencia-espanhola.html


Os Carneiros e a Estrela (Parte IV).

http://douradocidadeonline.blogspot.com/2010/09/dourado.html



Os Carneiros e a Estrela (Parte V).

http://douradocidadeonline.blogspot.com/2010/09/isaura.html



Cartas de Germano Agnelli (2ª Guerra Mundial).

http://douradocidadeonline.blogspot.com/search/label/Germano



Igreja Matriz de Dourado (Início do Século XX).

http://douradocidadeonline.blogspot.com/2010/06/igreja-matriz-de-sao-joao-batista.html



História do Trevo de Dourado.

http://douradocidadeonline.blogspot.com/search?updated-max=2010-04-26T15%3A34%3A00-03%3A00&max-results=1


Criação da Escola Salles Júnior.

http://douradocidadeonline.blogspot.com/2008/07/e-e-dr-salles-jnior.html


A História da Ferrovia Douradense.

http://douradocidadeonline.blogspot.com/2008/10/companhia-douradense-estradas-de-ferro.html


O Turismo em Dourado.

http://douradocidadeonline.blogspot.com/2010/08/dourado-e-o-turismo.html



segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Dourado: Fauna e Flora.


A Fauna e a Flora da cidade de Dourado, interior do estado de São Paulo, está diretamente inserida no Bioma da Mata Atlântica. Presente na maior parte no território brasileiro, abrangendo ainda parte do território do Paraguai e da Argentina. As florestas atlânticas são ecossistemas que apresentam árvores com folhas largas e perenes. Abrigam árvores que atingem de 20 a 30 metros de altura. Há grande diversidade de epífitas, como bromélias e orquídeas. Não deve ser confundida com a Floresta Amazônica, ou Selva Amazônica, que é um outro bioma presente na América do Sul. Principais exemplos vegetais: Pau-Brasil, cedro, canela, ipê, jacarandá , jatobá, jequitibá, palmeira, epífitas (orquídeas e outros), cipós etc.

É possível verificar algumas espécies como quatis, tatus, onças, macacos, cachorros do mato, capivaras, jaguatiricas. Ainda faltariam 252 mamíferos para completar o total de espécies dessa classe na Mata Atlântica.

O mesmo acontece com os pássaros, répteis, anfíbios e peixes. A garça, o tiê-sangue, o tucano, as araras, os beija-flores e periquitos. A jararaca, o jacaré-do-papo-amarelo, a cobra-coral, o sapo-cururú, a perereca-verde e a rã-de- vidro. Ou peixes conhecidos como o dourado, o pacu e a traíra. Esses nomes já são um bom começo, mas ainda estão longe de representar as 1020 espécies de pássaros, 197 de répteis, 340 de anfíbios e 350 de peixes que são conhecidos até hoje no bioma. Sem falar de insetos e demais invertebrados e das espécies que ainda nem foram descobertas pela ciência e que podem estar escondidas bem naquele trecho intacto de floresta que você admira quando vai para o litoral.

Fonte de Pesquisa:



Fotos do Parque Ecológico de Dourado.






















"Parque Ecológico de Dourado" - Video do YouTube (24/04/2022)



Dados Gerais da cidade de Dourado:

Aniversário: 19 de maio
Santo Padroeiro: São João Batista
Latitude: ao sul 22º07’
Longitude: W.Gr 48º18’
Limites À Norte: Ribeirão Bonito e Trabijú
À Sul: Dois Córregos
À Leste: Brotas
À Oeste: Jaú, Bocaina e Boa Esperança do Sul
Área total: 202 quilômetros quadrados
Relevo: Montanhoso
Vegetação: Cerrado
Altitude: 699 metros do nível do mar
Temperatura média: 35ºC no verão; 22ºC no outono; 19ºC no Inverno e 27ºC na primavera
 
Economia: Agricultura, pecuária, avicultura e comércio
 
Pontos turísticos: Igreja Matriz São João Batista, Escola Senador Carlos José Botelho, Rio Jacaré Pepira e Ribeirão Bebedouro
 
População: 9.049, segundo o Censo de 2005. A evolução populacional de Dourado, porém, merece destaque. Relatos históricos dão conta de que em 1920 sua população fora estimada em 18 mil habitantes. Com a crise do café houve uma forte migração de moradores para outras localidades. Em 1950, o número de moradores de Dourado havia caído para 7.616 habitantes. A saída de pessoas que viviam na cidade continuou, alcançando seu menor nível em 1970, quando havia 5.634 habitantes. A partir de 1970, contudo, a linha de queda é revertida e ocorre o início de um lento crescimento populacional em Dourado. Em 1991, por exemplo, a cidade registrava 7.042 habitantes. No Censo de 1996 esse número saltou para 8.374 e em 2000 para 8.603 moradores.
 
Densidade demográfica: 44,74 moradores por quilômetro quadrado (2005)
 
Grau de Urbanização: 92,29% da população vivem na zona urbana (2005)
 
Taxa de Natalidade (por mil habitantes): 12,07 (2004)
 
Taxa de mortalidade infantil (por mil nascidos vivos): 0 (2006)
 

Índice de Desenvolvimento Humano: 0,780 (2000)
 
Taxa de analfabetismo da população de 15 anos e mais: 11,9% (2000)
 
Características Edafoclimáticas: Dourado está localizado em uma zona de clima quente, com temperaturas anuais médias em torno de 20 graus C. De acordo com a carta de solos semi-detalhada da quadrícula de Brotas, os tipos de solos por ordem de importância são: latossolo vermelho amarelo, latossolo vermelho escuro, latossolo roxo, terra roxa estruturada, podzolizado vermelho e areias quartzozas profundas.


Hidrografia: A hidrografia em Dourado é considera rica. Em suas divisas e em seu interior são encontrados os seguintes recursos hidrográficos:

• Rio Jacaré-Pepira, que desemboca no Rio Tietê
• Ribeirão do Dourado
• Ribeirão do Potreiro
• Ribeirão Vermelho
• Ribeirão Bebedouro
• Córrego dos Melle, todos integrantes do Jacaré-Pepira

 
Fornecimento de energia elétrica: Companhia Paulista de Força e Luz
 
Telefonia: Código DDD 16
 
Telefonia Celular: Operadoras Claro, Vivo e Tim
 
Saneamento: Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo)
 
Estradas: Dourado é cortado pela Rodovia SP-215, totalmente asfaltada, interligando-o aos grandes centros. Fica a 48 quilômetros da Rodovia Washington Luiz. Além da SP-215, a cidade conta ainda com as seguintes estradas de categoria inferior:

• Dourado—Brotas: 28 quilômetros
• Dourado—Trabijú (via Fazenda Estrela): 8 quilômetros, quatro dos quais asfaltados
• Dourado—Rio Jacaré-Pepira: 7 quilômetros
• Dourado—Santa Clara—Trabijú: 14 quilômetros
 
Transporte intermunicipal: São Carlos, Araraquara, Jaú, Pederneiras, Bauru, Campinas, São Paulo, Ribeirão Bonito, Bocaina e
Boa Esperança do Sul
 
Veículos de Comunicação: FM 104,9 Mhz — Rádio Dourado FM (comunitária) e FM 93,3 Mhz — Rádio Educativa SDS FM.
Saúde: Dourado é atendido pelo hospital Casa de Saúde Santa Emília e por Unidades Básicas de Saúde
 
Entidades beneficentes: Asilo São Vicente de Paula, Apae (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) e Centro Juvenil São Domingos Sávio (capacita para o trabalho jovens e mantém creche para crianças)
 
Clubes de Serviço: Rotary Clube

Clubes sociais: Dourado Clube, Uaru Clube e Centro de Lazer do Trabalhador





Grupo retira 210 quilos de lixo do Rio Jacaré Pepira





Aproximadamente 65 pessoas de Dourado e Bocaina retiraram cerca de 210 quilos de resíduos das margens e do leito da bacia do Rio Jacaré Pepira. As atividades aconteceram em setembro de 2005, acerca do Dia Mundial de Limpeza de Rios e Praias. Do total, 13 quilos foram de materiais reaproveitáveis, encaminhados para a reciclagem. Os demais resíduos foram levados para o lixão. Voluntários dos dois municípios elaboraram e assinaram um termo de intenções para a formação de uma unidade de conservação na bacia do Jacaré Pepira.


Dados:




Ver também:


O Rio Jacaré em Dourado.


Os Carneiros e a Estrela (Parte I).


Os Carneiros e a Estrela (Parte II).


Os Carneiros e a Estrela (Parte III).


Os Carneiros e a Estrela (Parte IV).
http://douradocidadeonline.blogspot.com/2010/09/dourado.html

Os Carneiros e a Estrela (Parte V).
http://douradocidadeonline.blogspot.com/2010/09/isaura.html


Cartas de Germano Agnelli (2ª Guerra Mundial).

http://douradocidadeonline.blogspot.com/search/label/Germano


Igreja Matriz de Dourado (Início do Século XX).
http://douradocidadeonline.blogspot.com/2010/06/igreja-matriz-de-sao-joao-batista.html


História do Trevo de Dourado.

https://douradocidadeonline.blogspot.com/2010/04/historia-da-nossa-rodovia-trevo-de.html


quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Isaura


Os Carneiros e a Estrela (Parte V) por Kate Agnelli.



Isaura


A vizinhança dos Agnelli com os Pereiras fez com que Violindo, que como o próprio nome denunciava, era bonito, forte, ruivo acabasse conhecendo Isaura. Os grandes amores são os mais difíceis, os mais contraditórios para aqueles que estão fora do círculo no qual eles se fecham...Isaura era delicada, pequena com olhos amendoados, cabelos castanhos claros, finos e teimosa como a maioria da família. Sua paixão não teve a aprovação dos pais, que viam os Italianos como bárbaros invasores, de costumes tão diferentes dos seus, que há muitas gerações só se casavam entre os parentes. Ou seria uma desconfiança subconsciente, milenar, resquícios do antigo Império Romano, que teria gravado profundamente suas marcas no povo do deserto...Contam que os primeiros "Abendanas" (Pereira), eram guerreiros de Israel, capturados e trazidos cativos pelo romano Flavius Josephus, até a Península Ibérica. Na mesma época outros Israelitas, por volta de mil deles, resistiram bravamente na fortaleza montanhosa de Massada, vendo eles que não iriam agüentar o poderoso contingente do exército Romano, suicidaram-se, para não cair na mão do inimigo.

Mas o amor desconhece a história humana e as fronteiras físicas, acontece...

Por outro lado os italianos não viam com bons olhos o casamento com uma "brasiliana". Estava novamente declarada a guerra. Casaram-se assim mesmo. Foram morar no que restou da fazenda Pedra Branca, reconquistada, fantasmagórica, com todo aquele maquinário de beneficiar café parado. Violindo acreditava na força de sua juventude e no amor. Mantinha as máquinas, para não estragarem, ia plantando outras culturas. O casal era feliz ao seu modo. Cada um ensinava ao outro um pouco de sua cultura, seus costumes. E veio a primeira filha. Uma linda menina forte e saudável de nome Sílvia. Depois de três meses, estavam esperando o segundo filho, sentiam-se abençoados, antigamente ter filhos logo no começo do casamento era sinal da aprovação de D'us. Estavam no meio da Revolução que pipocava pelo Estado de São Paulo. O presidente Washington Luiz havia sido deposto os estados mais fortes eram São Paulo e Minas Gerais, a popular República café com leite. Em São Paulo o partido mais importante era o P.R.P., que apoiava o governo, no entanto muitos cafeicultores estavam descontentes com o governo e não se opuseram a Revolução, que pôs na sede do governo federal o gaúcho Getúlio Vargas.. Ele deveria governar provisoriamente até que fossem realizadas novas eleições. Os estados eram governados por interventores impostos pelo governo, mas as forças que se uniram para a Revolução logo começaram a se desentender. Tudo foi ficando confuso, não só para o Brasil. A insatisfação humana existe por toda parte. A Europa não guerreava, mas não tinha paz. Os mexericos corriam nas bocas das pessoas era como se todo mundo estivesse à beira de um ataque de nervos. Como diz o ditado Ladino "a língua não tem osso, mas quebra ossos". O fato de Isaura ser brasileira já era um bom motivo para arrumar encrenca no meio da colônia Italiana.

Certo dia Violindo estava limpando as máquinas, quando viu as mulheres da família Agnelli surgirem na entrada da fazenda, logo imaginou, querem encrenca! Correu até a frente delas e foi dizendo se alguma delas falasse ou encostasse a mão em Isaura , iria apanhar tanto dele, que nunca mais esqueceria...Ele amava aquela "brasiliana" verdadeiramente. Ninguém nunca soube o que realmente tinha acontecido, porque as mulheres estavam com jeito de briga naquele dia. Violindo como a maioria dos Italianos da época era torcedor fanático do Palmeiras. Num Domingo ouvindo pelo rádio que seu time ganhara, não podia se conter de tanta alegria. Pegou o "fordinho", rumou para Dourado para comemorar com os amigos. A asa negra da infelicidade começou a encobrir sua vida naquele dia. Um trabalhador rural bêbado, saiu de trás de uns arbustos com um garrafão de pinga na mão atirou-se em frente ao seu carro, morreu na hora. Aterrorizado Violindo desceu do carro, colocou-o no banco de trás e correu o mais rápido possível para Dourado, levando ao Dr. Almeida, mas o infeliz já estava morto. A mente de Violindo parecia uma montanha russa, primeiro a alegria por causa do futebol, depois a desgraça, uma profunda tristeza entrou no seu bom coração...Tinha trinta anos.

Alguns meses após o infeliz acontecimento e depois de absolvido pelas leis, Violindo começou a sentir fortes dores abdominais. Os médicos da cidade Dr. Borja Cardoso e Dr. Almeida tentaram tudo que podiam para ajudá-lo, mas em vão. Deram seu parecer, era apendicite. Dourado não possuía hospital. Era o mês de junho, o vento frio cortava a cidade e a pele fina das pessoas. Os Agnelli, pegaram o fordinho e levaram Violindo para a cidade de Jau. Os solavancos da estrada de terra pareciam intermináveis. Violindo não suportou. Morreu na entrada da cidade, antes de chegar ao hospital.

Dizem que nos seus delírios febris ele dizia que viria buscar a filha, não a deixaria no mundo para sofrer. Dito e feito. Após morte a menina adoeceu de gastroenterite, morrendo em setembro, passados exatos três meses. Isaura pensou que D'us devia estar certo porque sua sogra dizia que queria a menina.

De fato tiraram-lhe todos os bens materiais. Isaura diante de tanta dor, perdeu o filho que esperava. Não suportou enlouqueceu. Não comia. Não bebia. Ficava parada, ausente com o cachorrinho lulu nos braços. Último presente de Violindo. Seus irmãos levaram-na para a fazenda Boa Vista. Ensandecida pela dor, tinha medo de tudo, até de uma simples galinha.

Às vezes vagava pelos pastos por horas, sem destino, falando línguas que ninguém compreendia. Foi ficando por ali rodeada de amor e compreensão dos pais e irmãos. Nada restara de seu. Até o luluzinho a sogra mandou buscar. O sofrimento age de diferentes formas em diferentes pessoas.

O tempo vai assentando as águas revoltas das emoções. Isaura desenvolveu uma rara paranormalidade, previa o futuro com precisão assustadora. Também via o passado das pessoas, somente olhando para elas. Falava com os mortos como falamos com nossos familiares. Quanto seus irmãos queriam saber o resultado do turfe do Rio de Janeiro, perguntavam a ela. Espantosamente ela dava todos os resultados. Tudo era confirmado no dia seguinte pelos jornais que chegavam à fazenda. Era de espantar até o mais incrédulo. E assim Isaura foi vivendo num corpo vazio de desejos, enquanto sua alma vagava pelos espaços infinitos, que ainda não nos é permitido conhecer... O sofrimento tirou de sua mente o fino véu que separa o mundo material do espiritual. Uma família amiga de Jau ofereceu hospedagem para ela, para quem sabe mudando de ambiente pudesse melhorar. Todos achavam que jamais recobraria a razão. Depois de muitas idas e vindas tratamentos espirituais, ela foi se equilibrando.

Acabou arrumando um trabalho em Campinas. Mas continuava sem sentir, dizia que estava de passagem por este mundo. Às vezes desligava-se do presente, deixando a pessoa com quem estava conversando falando sozinha. Refugiou-se no espiritismo. Fundou o centro espírita de Dourado "Em Torno do Mestre". Deu parte de sua herança para uma creche de crianças excepcionais de Rio Claro, que atualmente recebe ajuda da rainha Silvia da Suécia, possuidora de raízes brasileiras. Isaura não tinha âncora no mundo. Ajudava aos pobres e necessitados que encontrou pela vida. Fez muita caridade tanto material como espiritual.

Seus ideais não foram compreendidos por grande parte da sua família. Aqueles que a condenavam, muitas vezes precisaram de sua ajuda, mesmo que continuassem indo todos os domingos na missa. "Façam que eu digo, mas não que faço", a hipocrisia humana de sempre, que de tanto ser praticada acaba parecendo normal...

Assim Isaura era amada e odiada como a maioria de nós seres humanos. O mais interessante foi que ela previu a própria morte. Exigiu que a banda da escola na qual trabalhava tocasse no seu funeral. Foi inclusive na fábrica de moveis de um parente tirar as medidas do próprio caixão, enquanto todos ficavam estarrecidos, ela parecia finalmente ter encontrado a paz

Morreu no dia previsto, sentada na sua cama, seria o dia do aniversário da sua filha...Enquanto seu cortejo fúnebre passava, o comércio da cidade baixava as portas...



No período que Isaura esteve atormentada, apareceu na Boa Vista um negro africano, segundo diziam, feiticeiro. O velho Firmino ( pai de Isaura), com pena deixou-o morar nas suas terras. O negro fez um rancho bem longe da casa sede e por ali ficou. Curava pessoas com ervas nativas, que conhecia muito bem. Sua fama aumentou muito. Apareciam doentes de toda parte. Até que a ganância e a vaidade tomaram conta de seu coração. Passou a cobrar por seus chás e benzimentos. Nessa época a lepra era uma doença incurável. Certo homem muito rico viu-se acometido pelo terrível mal. Procurou o tal curandeiro. Cada vez que fazia seus benzimentos no tal homem, mais dinheiro ele pegava. Até que o homem rico resolveu ficar por ali na cabana com o negro para curar-se mais rápido. Acabou morrendo.

Sem saber o que fazer com o cadáver, enterrou-o ali perto do casebre, mas nas terras que pertenciam a Antonio Agnelli. É claro que uma assim jamais fica escondida. As pessoas falavam...

Antonio Agnelli ao saber do fato foi direto na delegacia e denunciou o negro. A polícia foi até o local descobriu o feito. Desenterraram o cadáver. Prenderam o negro e deram-lhe uma surra.

O feiticeiro nunca perdoou o acontecido e amaldiçoava os Agnelli de todas as formas. A filha mais velha de Antonio Agnelli estava noiva de um rapaz , filho de Italianos da cidade de Ribeirão Bonito, quando conheceu Osório Pereira, que por sua vez iria casar-se, como de costume da família com uma prima. De repente Osório começou a se interessar por Júlia e vice-versa. Ela desmanchou o noivado e encontrava-se às escondidas com ele. Antonio Agnelli ao saber do fato disse que mataria Osório, que passou a andar armado constantemente. Isaura como sempre tinha suas visões e pressentimentos. Logo desconfiou que algo estava errado.

Em suas visões aparecia o feiticeiro preso. Ela não teve dúvidas, foi visitá-lo na cadeia e perguntou se ele sabia de alguma coisa envolvendo seu irmão Osório. O negro disse que se os Agnelli não gostavam dos Pereiras, dali pra frente iriam ter que aturá-los pelo resto da vida. Disse ter feito um encantamento que ninguém jamais poderia quebrar. Na verdade as coisas começaram realmente a piorar, tanto no namoro como nas famílias. O pai de Osório ficou doente com câncer na garganta, mas para espanto dos médicos não sentia dor alguma. Só foi enfraquecendo. Todos diziam que ele não sentia dor devido `a bondade de seu coração.

Certo dia enquanto ainda podia andar, estava ele carregando um jacá de milho para colocar no moinho, quando apareceu um moço muito bem vestido, dizendo-se curador. Disse para Firmino Pereira que ele estava doente porque haviam enterrado um Santo Antonio de ponta cabeça no mourão de sua porteira. Firmino abaixou o jacá. Colocou-o no chão, olhou firme par o rapaz e foi dizendo. "Olha moço se o santo é santo mesmo, tanto faz ele estar de pé ou de ponta cabeça, deitado, a bondade não muda". Dizendo isso levantou o jacá do chão colocou-o no ombro e foi embora em direção ao moinho da fazenda. O tal curador desiludido, não teve outra saída, puxou a rédea do cavalo e se foi... No dia da grande viagem, Firmino disse para sua filha mais velha Maria "hoje quando o relógio bater dez horas estou seguindo viagem". Sem entender, Maria achou que o pai estava caducando. Só percebeu a mensagem no dia seguinte, quando estavam velando o corpo. Ela lembrou-se que quando o relógio estava realmente batendo dez horas da noite, sua mãe aflita chamou os filhos para informar que o pai deles acabara de falecer. Maria nunca mais pode ouvir o som do carrilhão...

Alguns dias antes de sua morte Firmino chamou Osorio e Júlia e pediu que eles se casassem. Firmino Pereira foi realmente bom. Certa vez vendeu duzentos e cinqüenta alqueires de terras para ajudar seu irmão Juca que estava em apuros. Depois disso Juca, mudou-se com a família para Andradina. Era o ano de 1938.Ninguém soube dizer se foi praga do negro ou se o amor proibido é melhor, o fato é que os dois se casaram em 1939. Estourava a guerra na Europa e entre famílias... No dia que Júlia enfim foi convidada para conhecer a família toda de Osório, estranhou um pouco a austeridade que encontrou. As mulheres na sua maioria vestiam-se de roupas escuras, ou com estampas miúdas. Usavam cabelos presos por tranças ou em severos coques, numa época que a moda era de cabelos curtos com permanentes. Achou estranho também o modo de comunicação, quase não se falavam. Trocavam estranhos olhares.

Os Pereiras pareciam ter um código especial de comunicação entre eles. Numa família de poucas misturas étnicas a palavra acaba tornando-se inútil. Júlia estava acostumada com pessoas que demostravam de modo os seus sentimentos. Vestiam com cores alegres, tecidos finos e falavam muito.

Quando retornou da visita à futura família, suas amigas da cidade lhe perguntaram se os Pereiras não pediram para ela "mostrar os dentes"...Todos conheciam as desavenças. Os preconceitos e desencontros. Eram duas raças diferentes, mas igualmente arrogantes, cada uma a seu modo. Para algumas pessoas é muito difícil aceitar aquilo que não espelha elas próprias... Voltando ao tricô que tece a malha do destino Osório e Júlia estavam casados e já com dois filhos pequenos quando resolveram mudar-se para Andradina à convite do "tio Juca". Mesmo porque Osório havia sido convocado para a guerra.

Dizem que ele se apresentou e sem descer do cavalo perguntou porque o tinham chamado. Quando revelaram a causa, ele ainda sem descer do cavalo disse para o funcionário "Eles arrumaram a briga, que apartem! Por que temos nós que ir até lá?! "Dizendo isso virou as rédeas do cavalo e foi embora, deixando o pobre homem ciente que estava cumprindo um dever patriótico, sem palavras...

E assim o jovem casal tomou o trem da Noroeste de Bauru e rumou para os confins do mundo, como diziam. Quase na divisa com Mato Grosso a natureza ainda estava para ser domada. O mato era grosso mesmo. Não havia estradas, só picadas. Ao se descer do trem e andar alguns metros já se deparava com a floresta desafiadora. Bandos de araras vermelhas sobrevoavam os ranchos. O calor era insuportável, abafava até as idéias. Água perto de casa só de poço. Pernilongos de todo tipo, chuvas torrenciais. Malária todos tiveram, até as crianças. Muita lama, sol abrasador. Medo dos Índios. Afinal estavam invadindo a terra que era deles por séculos. A criação de gado e porcos era abundante. Vermelhidão no solo, na pele, no céu e nas mentes das pessoas enraivecidas pela pequenez do ser humano perante a força da natureza...

A terra sempre foi muito mais forte do que todos nós...Não se sabe se o calor insuportável, a falta de conforto e de cuidados médicos fizeram com que Júlia perdesse o terceiro filho, uma robusta menina. Derem-lhe o nome de Vilma. Ficou lá em Andradina. Não suportando mais os sofrimentos que vinha passando Júlia escreveu para sua mãe. Tereza, mulher decidida e forte, tomou o trem da Noroeste em Bauru e foi buscar a filha. Quando chegou lá viu que a situação deles era pior do que imaginava.

Para enfrentar a vida naquele lugar, era necessário muito mais do que a vontade. Precisava ser do tipo físico apropriado. Mulheres delicadas, jamais suportariam. Voltaram para a Boa Vista.



Família.






Ver também:

Os Carneiros e a Estrela (Parte I).

http://douradocidadeonline.blogspot.com/2010/08/num-passado-distante-em-dourado.html


Os Carneiros e a Estrela (Parte II).

http://douradocidadeonline.blogspot.com/2010/08/dourado-e-imigracao-italiana.html


Os Carneiros e a Estrela (Parte III).

http://douradocidadeonline.blogspot.com/2010/08/ascendencia-espanhola.html


Os Carneiros e a Estrela (Parte IV).

http://douradocidadeonline.blogspot.com/2010/09/dourado.html



Cartas de Germano Agnelli (2ª Guerra Mundial).

http://douradocidadeonline.blogspot.com/search/label/Germano


Igreja Matriz de Dourado (Início do Século XX).

http://douradocidadeonline.blogspot.com/2010/06/igreja-matriz-de-sao-joao-batista.html



História do Trevo de Dourado.

http://douradocidadeonline.blogspot.com/search?updated-max=2010-04-26T15%3A34%3A00-03%3A00&max-results=1




quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Dourado


Os Carneiros e a Estrela (Parte IV) por Kate Agnelli.

Dourado


Era uma grande família a dos Agnelli, como a videira vai enroscando seus ganchos atrás da luz do sol para dar novos frutos, seus descendentes iam espalhando-se pelo Brasil formando novos núcleos. Natale e Giustina escolheram Dourado para morar, viviam numa chácara chamada "Jardim Novo", onde plantavam legumes, verduras, frutas, até mesmo pêras e maçãs, tão difíceis de encontrar na época. Contam que ao lado da chácara havia um campinho de futebol, bem ao lado do muro, onde os meninos iam fazer suas "peladas" O velho Natale, de gênio brincalhão, chamava a garotada por cima do muro e joga-lhes frutas, enquanto os meninos ávidos catavam as delícias, lá vinha uma bacia de água por cima de suas cabeças. Era um divertimento para Natale e para a molecada também, pois com o calor, aquilo era um refresco e tanto.
Os anos já pesavam para os dois velhinhos italianos, queriam viver sossegadamente longe de tantas lutas e lutos...Por esta época Dourado já possuía casas comerciais como os Colagrossi que dominavam o setor de secos e molhados, sendo um deles agente Consular italiano. Os Tavano vendiam e fabricavam calçados, chapéus,etc. As famílias Jacobucci e Freitas começavam a fabricar guaraná e cerveja. Sendo o guaraná Tupy e cerveja Guarany, dos Jacobucci.
Normalmente aqueles que vinham do sul Italiano como a Calábria, Sicilia, Puglia, Bari, acabavam se dedicando ao comércio, enquanto que aqueles que vinham do norte Italiano iam para a agricultura. A grande maioria da população douradense era italiana; Agnelli, Ambrozio Baldin, Battisacco, Bergamasco, Bonassi, Borragini, Boschi, Brunelli, Buzutti, Buzza, Canela, Crotti, Carli, Castelucci, Cervadoro, Colagrossi, Colombo, Crotti, D'Abruzzo, D'Avoglio, Decicine, Demetti, Desajacomo, Devita, Dictoro, Domeniconi, Donato, Ellio, Fabrega, Facco, Failla, Fantini, Fattori (e), Favoni, Fazan, Fiamoncine, Finhana, Flocco, Foschini, Fragalli, Fragnan, Furlan, Galantini, Galassi, Genardi, Genghi, Gennari, Gramignolli, Gregorio, Laurenti, Lolis, Macari, Magri, Mania, Mangini, Marchi, Marrega, Mascaro, Matttei, Maturano, Melle, Miasi, Migliorelli, Mirandola, Miranda, Nardi, Nardini, Panza, Pedreschi, Pessan, Pieri, Pierini, Pietro, Poli, Roganti, Rosa, Rosalin, Rosato, Rossi, Sciaretta, Scocca, Speranza, Stella, Taconelli, Thomazin, Vanucchi, Vanzelli, Zanon. E muitos outros vindos depois, como os espanhóis; Alvarez, Aguillar, Ballestero, Bueno, Justi (o), Garcia, Gimenez, Gutierrez, Leal, Lopez, Lozano, Munhoz, Penha, Perez, Puerta, Marin, Morales, Rodrigues, Sanchez, Ribas, Rubio. Alguns Poloneses como os Thomasaukas; Austríacos como os Milharcix, Sírios e Libaneses; Assuad, Chaibubi, Chueri, Maluf, etc. Me perdoem aqueles que não consegui encontrar os nomes.
A maioria dos imigrantes tinha tristes histórias para contar sobre a longa travessia do Oceano Atlântico. Durante a viagem, as primeiras vítimas eram as crianças e os velhos, que ao morrerem eram atirados ao mar. Quase todo dia havia alguém chorando no convés do navio. A ração da viagem muitas vezes era fraca, para famílias enormes. Muitas mães acabavam deixando de comer seu pedaço de pão para dá-los aos filhos pequenos. Chegavam magros, ansiosos. Muitos eram separados na hora da triagem da imigração, já no porto de Santos. Algumas famílias que passaram gerações juntas numa mesma região italiana, nunca mais se viram a partir dali...
O destino certo era a capital de São Paulo, de onde eram mandados para as fazendas de café nas várias cidades paulistas. Na ingenuidade deles iriam fazer dinheiro a rodo, mas o rodo que encontravam era o de puxar o café para secar, debaixo de um sol abrasador. Precisavam resistir às diarréias e insolação. A comida, na maior parte do tempo, era polenta com rúcula, plantada e colhida entre os pés de café. Havia pouca carne, somente a dos patos e galinhas criadas nos fundos das casas das colônias, mas sobrava dignidade...


Nunca se viu um imigrante mendigando pelas ruas, a não ser aqueles que perdiam a razão. Se a vida era dura, trabalhavam dobrado. As mulheres, verdadeiras rochas, além de ajudarem no cafezal, pariam filhos, cozinhavam, plantavam hortas e cuidavam dos animais domésticos. Foi quando a economia do país estava começando a mudar e iniciou a nova. A do empregado assalariado. Alguns fazendeiros começaram a achar que aquela gente clara não era tão interessante para eles como os escravos e o nome da princesa Isabel não foi muito bem falado por alguns fazendeiros... Começavam também as primeiras manifestações sindicais. Na época um crime. Aqueles que queriam levantar a cabeça contra as injustiças apareciam pendurados em árvores no meio da mata e tratados como suicidas.. Segundo relato de Zuleika Alvim, historiadora da USP, no seu livro "Brava Gente" há o seguinte relato; "em 1905, Carlos Botelho, secretário da Agricultura na época, retomou a política de núcleos coloniais, criando a Agência de Colonização e Trabalho em 1906, cujo objetivo era favorecer a colonização (...) proteger o trabalho e impedir que o colono fosse objeto de engano por parte de agentes especuladores e fazendeiros pouco honestos. Estranha preocupação para um homem que dez anos antes, em 1896, teve seu nome envolvido na morte de um colono, que ficou impune como tantas outras, conforme relato feito na época junto ao agente consular em Dourado ( Há três dias desapareceu da fazenda do Sr. Carlos Botelho (...) um colono italiano, sem deixar nenhum traço, sua família numerosa, estava desoladíssima e todos na fazenda preocupados com o estranho desaparecimento. Qual, porém não foi a surpresa, ou melhor, o espanto de alguns cidadãos ao encontrarem, na manhã do dia 20 de abril de 1896, num bosque da fazenda, pendurado numa árvore, o cadáver do fugitivo(...), tratava-se de um suicídio ou de um caso de enforcamento? Mistério...O delegado Luiz da Vinha, avisado do fato e solicitado a dirigir-se ao local(...), recusou-se perempetoriamente. Assim o morto foi retirado da árvore e sepultado sem a menor intervenção de nenhuma autoridade".
Esse documento existe na Itália, pois foi enviado pelo agente Consular Italiano para lá. Mas Carlos Botelho foi também um grande benfeitor para Dourado. Possuía fazendas de café por lá. Trouxe a luz elétrica, a Cadeia Pública, o Matadouro e o Grupo Escolar que leva seu nome. Enfim interesses casados sempre trazem "progressos" para ambas as partes. O café foi chamado inclusive de "ouro brasileiro". Segundo dizem as terras Douradenses e Saõcarlenses produziam o melhor café para exportação. E o mundo não imaginava o longo caminho percorrido, até que o aroma reconfortante chegasse à Europa e Estados Unidos. Todos queriam a terra, sempre a terra para mais café ... Terra adorada, desejada , explorada e machucada... Porque os verdadeiros protetores dela, de suas matas e riachos, os coitados dos Índios, primeiros habitantes, vencidos foram acabar numa pequena reserva perto de Bauru, tão perto e tão longe de suas antigas ocas...
Onde ainda continuam invadidos, agora por outro tipo de brancos os das ideologias religiosas. Quase extintos pela barbárie branca, estão embebedando e suicidando-se... Deixaram os nomes como prova de sua existência primeira aqui; Moji, Moji-mirim, Jacaré-pepira, Botucatu, urutau, caraguatá, mororó, jatobá, jacarandá, ararama, ariranha, Araraquara, Cajuru, cateretê, tamanduá, guará, gabiroba, etc. Índios que perderam sua amada terra do sol... Foram mortos, escravizados, pegaram as doenças dos brancos e assim tribos inteiras desapareceram, facilitando o trabalho da colonização (invasão). Por um capricho da genética, os Índios eram indefesos às doenças dos brancos... Para os dominantes da época colonizadora Índio, Negro e Mulher não possuíam alma, eram coisas, assim como uma pedra, ou uma árvore morta, que pode ser picada e queimada... Os Índios e Negros eram escravizados ou mortos, as mulheres sequer possuíam sobrenomes, eram conhecidas apenas pelo primeiro nome, não tinham direito algum. Aos Índios, todo o meu respeito e gratidão pela terra na qual eu hoje vivo...Para se ter famosa e dolorosa terra roxa, quanta luta e dor. Regada com tanto sangue e lágrimas de acorrentados, exilados e atormentados escravos negros... Para com eles minha eterna solidariedade. Para todas as mulheres de todos os tempos a minha admiração... Terra também "rossa" do suor dos Italianos e de outros imigrantes. Terra que alimentou fartamente os bolsos brasileiros, bancos e bolsas mundiais... Quando poderemos pagar tantas dívidas para com esse passado, ainda tão perto?


Voltando aos imigrantes Italianos, a adaptação não foi assim tão fácil como pensam alguns descendentes. Num relato do jornal "Avanti" dos dias 25 e 26 de maio de 1902, podemos ler a história de duas irmãs italianas da família Lungaretti, moradoras na região de Ribeirão Preto, que recusavam firmemente o assédio de Raul Salles, o que resultou na perseguição e agressão de toda a família das moças. Por isso todos os italianos da fazenda pararam o trabalho em solidariedade aos amigos. Enfurecidos os Salles resolveram se impor, mandando a família embora, mas os Lungaretti se recusaram a sair, dizendo que tinham contrato de trabalho. Diante disso o pai de Raul agrediu o velho Lungaretti. Angelo seu filho vendo o pai ferido e sendo muito mais forte que o agressor, matou Diogo Salles. O caso não teria tanta repercussão, não fosse o morto, irmão do então Presidente Campos Salles.
Toda a população italiana se uniu para angariar fundos e contratar o melhor advogado, para defender Angelo Lungaretti, que mesmo assim acabou pegando oito anos de prisão. A historia ocupou por muitos dias a imprensa paulista. Era difícil para as oligarquias cafeeiras entender que os italianos tinham seus valores, não eram seus escravos... Escravos que por esta época quase não tinham como sobreviver, porque o trabalho assalariado era dado aos imigrantes. Ou ficavam ajudando nas casas das fazendas em troca de comida ou fugiam para as matas indo morar nas beiras de rios ou em morros. Outros de tanto apanhar perdiam totalmente a auto estima, mendigavam pelas ruas. Muitos foram vivendo da natureza, formando comunidades distantes das cidades, os quilombos, alguns existentes até hoje. Assim o Brasil foi iniciando a triste história dos favelados...Tão lindo e colorido e caloroso o nosso país e tão repleto de choros longínquos , que ainda ecoam nas matas, nos rios, nas mentes e corações que sentem...


Voltando a Dourado do começo do século, cidade ainda na infância era dirigida por intendentes desde 1897 até 1906, quando teve seu primeiro prefeito Alfredo de Araújo, que governou até 1926.
O centro do Estado de São Paulo tem sua história tão entrelaçada, entre os seus municípios, como uma tela de bordados. Cada cidade com sua cor e todas juntas formam um lindo mosaico. Se voltássemos apenas cem anos, que é um tempo muito curto perante a história, veríamos a região central de São Paulo, como uma única peça de tecido, onde cada município foi sendo tingido com uma cor diferente, conforme os acontecimentos iam se sucedendo. Somos todos ligados pelo invisível e implacável fio do destino, que nos costura uns nos outros e que leva todos os viventes para o mesmo lugar, e num pedaço de terra tão pequenino...
Em Dourado os imigrantes foram se encaixando devagar, cada um achando seu lugar, colocando seu pedacinho do bordado da vida. Contam os antigos que Antonio Agnelli andava sempre armado. Era um homem alto e forte, vestia bombachas, usava capa gaúcha, botas sanfonadas, camisa de linho, uma guaiaca carregada de balas. Homem inteligente, bom negociante. Fazia comitivas para Mato Grosso, levava a boiada pelas estradas de pó e lama. Uma figura ímpar, aquele montanhês grande e rosado de olhos azuis, vestido de boiadeiro, assobiando, gritando com os peões e bois. Não largava sua amiga carabina.
Os Agnelli possuíam a fazenda Pedra Branca entre Dourado e Ribeirão Bonito, onde existe uma enorme formação rochosa chamada cuzcuzeiro, a tal pedra branca. Até os dias atuais o pessoal chama a formação de "Pedra do Agnelli". Francesco Agnelli, tio de Antonio tornou-se o contador da família, ganhava muito dinheiro exportando café, mas perdia no jogo...Vendeu a fazenda.
Corria o ano de vinte e sete. Época de muita agitação política, ânimos exaltados, revoluções. Antonio com a parte do dinheiro que lhe coube comprou a fazenda Contendas, perto de Brotas. Para lá foram Tereza e todos os filhos louros. Plantavam, criavam gado e cavalos de corrida muito bem cuidados pelo empregado "João Trovão". Possuía também um "pé de bode", que era o nome dos primeiros carros Ford, os famosos fordinhos, símbolo de status social nas décadas de vinte e trinta. E começou o tempo das revoluções. Mataram João Pessoa... Foi uma cascata de acontecimentos desembocando na primeira Revolução, a de 1930.
Tiraram o presidente Washington Luiz e subiu ao poder central o gaúcho Getúlio Vargas. Várias foram as causas que derrubaram o presidente, entre elas o descontentamento dos cafeicultores, que ficaram sem financiamento para suas safras, devido a queda da bolsa de Nova York em 1929. O café era o principal produto de exportação do Brasil. Outros setores paulistas ligados à indústria e a exportação colocaram-se francamente a favor da revolução.
Em 9 de julho de 1932 foi declarada a Revolução Constitucionalista. Seu objetivo era levar o país de volta a um regime constitucional, do qual estava afastado desde a Revolução de 1930. Getúlio Vargas não havia convocado eleições para a Assembléia Constituinte ou para os governos estaduais. O país vivia um regime de exceção, não havia congresso e as leis eram feitas pelo presidente e seus ministros. Os estados eram governados por interventores impostos pelo governo central e geralmente escolhidos entre os tenentes que haviam apoiado Getúlio Vargas na Revolução de 1930. O famoso "Tenentismo". E as tropas revolucionárias chegaram até a fazenda Contendas de Antonio Agnelli. De lá levaram oito sacas de feijão, outras tantas de milho e mantimentos, uma espingarda, um rádio. Mediram a altura dos cavalos de corrida, para levarem só os melhores. Assim de um dia para outro, sem que ninguém pudesse reagir. Nem o adorado "fordinho das meninas" foi poupado. Tinha muita serventia para os soldados...E assim um ano inteiro de colheitas, de suor, desapareceu na nuvem de poeira da revolta. E São Paulo acabou sozinho, pois Minas e Rio Grande do Sul passaram para o lado do Governo Federal. São Paulo perdeu. Alguns douradenses filhos de italianos foram servir na Revolução, entre eles os irmãos Sciaretta. A juventude não perde a oportunidade de participar de mudanças em todas as épocas.


Sabiamente Antonio Agnelli passou seus bens e contas bancárias no nome dos filhos brasileiros. Era uma família unida , única maneira de ser forte em terras tão desorganizadas. Qualquer ofensa a um dos membros da família era uma ofensa para todos. Eram admirados e odiados. Não professavam nenhuma religião, muito menos a católica. Desde a Itália tinham total desconfiança de batinas. Mas certo dia, Tereza na sua curiosidade feminina quis conhecer a igreja de Ribeirão Bonito, diziam que tinha pinturas bonitas. Tereza ainda era uma linda mulher, embora mãe de muitos filhos. Convidou sua cunhada Maria e lá se foram as duas. Entraram cuidadosamente na igreja vazia, olharam tudo depois se ajoelharam, com a cabeça baixa. Não é que de repente Tereza levou o maior susto, com o padre tascando-lhe um beijo no rosto. Ela gritou, pulou e as duas saíram correndo, enquanto o pároco tentava inutilmente dizer que pensava ser ela uma santa... Chegaram em casa assustadas. Maria mais jovem e mais impulsiva foi logo contando o sucedido para o irmão. embora Tereza tentasse fazer sinais para que não falasse.
Antonio estava sentado à mesa comendo, parou. Empurrou a cadeira, fincou a ponta da faca na madeira da mesa. Saiu como uma bala. E que bala! Pegou seu cavalo, sua carabina e o chicote. Chegando na igreja, com um pontapé quase derrubou a porta da sacristia, pegou o padre pelo pescoço dando-lhe bons tapas. Depois o amarrou com o laço boiadeiro, colocou-o na frente do cavalo. Montou o animal e foi tocando o padre, como um boi, dando-lhe chibatadas. Ia gritando em italiano, para todo mundo ouvir, porque fazia aquilo. A cidade emudeceu, a igreja também. Transferiram o padre...
Assim era a vida, quem podia mais, chorava menos. Tempos de sobrevivência sem muito respeito às leis. O país engatinhava em certos princípios de civilidade. Em lugares distantes onde a comunicação era difícil de chegar, como nas matas das fazendas de muitos alqueires de mata cerrada, nem se sabia o que era lei. Os Agnelli empurrados pela ânsia de conquistadores, compravam terras e bois, plantavam sementes para um futuro desconhecido, mas esperançoso. Em setembro semeavam o café, milho, feijão e por sete a oito meses tratavam as plantações. Em maio e junho começavam as colheitas. Muitas foram as razões dos imigrantes, alguns vieram na esperança de possuírem seu pedaço de terra, como tinham na Itália, outros por pura sobrevivência física, mas todos com uma rebeldia comum frente a uma situação impossível de se manter na pátria de origem.
Se fossemos contar hoje os descendentes de italianos que vivem fora da Itália, o número dos que imigraram e sua descendência, juntos superam a população Italiana atual. Os vários imigrantes contribuíram muito com o Brasil, com sua força de trabalho inteligente. Os Italianos com sua organização, sua alegria natural, tudo para que São Paulo se tornasse uma potência dentro do Brasil.


Após a Revolução de 1932 começaram a chegar nordestinos aos borbotões, foram aumentando a cada década. Pressionados por uma seca interminável e sem vontade de solucioná-la pelo poder de lá, vinham em busca de trabalho. Muitos até eram encorajados a vir para São Paulo, talvez porque a idéia de que, com o tempo um estado miscigenado, não tão europeu, tornava-se mais fácil de controlar. Sendo o país de origem patriarcal, os interesses naturalmente ficariam divididos entre filhos, netos e bisnetos, todos miscigenados, aí ninguém mais iria querer separações, outras revoluções...

A partir de 1932 o poder paulista diminuía no Governo Federal e aumentava o de nordestinos. Desde então ficou praticamente impossível ter paulistas no centro do poder. Paulista sempre foi duro de montar. Trabalharam dobrado, partindo para a industrialização, que fez do Estado novamente o centro das atividades econômicas do país.
Dizem outros brasileiros que paulista só sabe trabalhar, pode até ser verdade... Como seríamos nós se não fossemos forjados a ferro e bigorna? Alguns fazendeiros deixaram o café e partiram para a produção leiteira, ao que se seguiu o nascimento de laticínios em Dourado, Ribeirão Bonito e São Carlos.
Na região central do estado as primeiras organizações bancárias nasceram sob a direção de grandes propriedades rurais. Embora o governo mandasse queimar todo aquele café depois da crise da bolsa de vinte nove, o capital que tinha gerado acabou financiando a industrialização e os paulistas, habilidosos poupadores não desperdiçaram nem fumaça, que continuou até os nossos dias nas muitas fábricas espalhadas pelo estado.
O grande número de imigrantes habilidosos, fez com que surgissem pequenas indústrias, muitas existentes até hoje. Nasceram as indústria de tecidos em São Carlos como a de Germano Fehr que fornecia brim verde-oliva para o exército; a de lápis , como a antiga Johann Faber, hoje Faber-Castell, que já era uma pequena fábrica em 1926, também da família Fehr. Fábricas de móveis, etc.
Em Dourado havia as indústrias de guaraná Tupy e cerveja Guarany e um número grande de sapateiros, vassoureiros, marceneiros, etc.
Em Ribeirão Bonito havia as "Indústrias Torrezan", que começara com habilidosos ferreiros Italianos, fazendo de início rodas para carroças, foram progredindo até chegarem as peças para carro.
Em Torrinha havia até um banco, nascido lá mesmo com capital do café. Enfim o centro do estado passava do setor agrícola para o industrial, comercial e bancário. E toda essa produção demandava escolas e mais escolas que foram surgindo na esteira da necessidade de progresso. Foi-se gerando assim a base para a instalação das Universidades por aqui.
Após o período conturbado das Revoluções, os Agnelli começavam a recuperar sua economia com a criação de gado, deixando o café que já não trazia mais lucros para ninguém. Só servia mesmo para o pouco consumo. Os filhos estavam adolescentes. Ajudavam no trabalho. Enquanto Antonio Agnelli partia com comitivas para o Mato Grosso, os filhos mais velhos tomavam conta dos negócios. Os irmãos de Antonio também já estavam casados. Maria Agnelli havia fugido para casar com João Novaes de São Carlos, Ana (Nita) morava com o marido em Ribeirão Bonito. Deolinda e Itália em Bauru. O tio Francesco morrera de enfarte por causa da queda da bolsa de Nova York, ele tinha muito café estocado em Santos. Possuía muitos terrenos em São Paulo. Era inclusive sócio da então iniciante fábrica de vidros "Nadir Figueiredo". Era solteiro, não deixou descendentes. Josefina morreu dois meses após o casamento. Ernesto casou-se com Tereza Ambrozio de Dourado. Violindo e Lídia eram solteiros.
Na fazenda Contendas ( Nome bem apropriado ), os Agnelli tornaram-se vizinhos dos Pereiras. Não eram amigos, mas se respeitavam. O destino vai desenhando na malha de seu tecido às vezes cores tristes, às vezes alegres, para que a vida se manifeste. Ela se impôs com cores carregadas no final dos anos trinta, tanto para brasileiros, como para europeus.


Família Agnelli.






Francisco Agnelli (Filho de Antonio Agnelli) com os filhos em Mato Grosso.






Ver também:
Nossas Origens.

http://douradocidadeonline.blogspot.com/2010/04/nossas-origens-e-tradicoes.html


Festas Regionais.

http://douradocidadeonline.blogspot.com/2010/06/festa-sao-joao-batista-dourado-2010.html


Os Carneiros e a Estrela (Parte I).
http://douradocidadeonline.blogspot.com/2010/08/num-passado-distante-em-dourado.html


Os Carneiros e a Estrela (Parte II).

http://douradocidadeonline.blogspot.com/2010/08/dourado-e-imigracao-italiana.html


Os Carneiros e a Estrela (Parte III).

http://douradocidadeonline.blogspot.com/2010/08/ascendencia-espanhola.html


Cartas de Germano Agnelli (2ª Guerra Mundial).
http://douradocidadeonline.blogspot.com/search/label/Germano


O Turismo em Dourado.
http://douradocidadeonline.blogspot.com/2010/08/dourado-e-o-turismo.html


Dourado década de 50 e 60.
http://douradocidadeonline.blogspot.com/2010/03/jc-jornal-da-cidade.html